Por George Michel Elder da Silva
Em recente julgamento a mandado de segurança, o juízo da 11ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Fazenda Pública e Acidentes de Trabalho sentenciou, em linha com a jurisprudência sedimentada no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que a base de cálculo para o recolhimento do imposto de transmissão causa mortis (“ITCMD”) incidente sobre bens imóveis é o chamado “valor venal” utilizado para fins de lançamento do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (“IPTU”), e não no chamado “valor venal de referência”, utilizado, originariamente, como base de cálculo para fins de lançamento do imposto de transmissão onerosa de bens imóveis – (“ITBI”).
A controvérsia sobre a utilização de um ou outro valor origina-se do aparente conflito entre a norma prevista no artigo 13, inciso I, da Lei do Estado de São Paulo nº 10.705 de 28 de dezembro de 2000, lei ordinária estadual que institui o ITCMD e a norma prevista no artigo 16, parágrafo único, item 1, do Decreto do Estado de São Paulo nº 46.655, de 1º de abril de 2002, decreto estadual que regulamenta o ITCMD no território paulista.
O denominado “valor venal de referência”, normalmente, atribui valores maiores aos bens imóveis do que o denominado “valor venal”, de modo que sua utilização como base de cálculo implicaria, teoricamente, aumento na arrecadação estadual a título de ITCMD. A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, órgão responsável pela fazenda pública estadual, vem exigindo do contribuinte que os bens imóveis, no âmbito dos procedimentos de inventário, sejam declarados para fins de recolhimento de ITCMD a partir do “valor venal de referência” como base de cálculo, ou seja, conforme norma prevista no referido decreto estadual.
Por sua vez, os tabelionatos de notas, cartórios extrajudiciais responsáveis pela lavratura das escrituras públicas de inventário e partilha, por prudência, em razão de sua responsabilidade funcional pela fiscalização do bom recolhimento dos tributos incidentes nos atos que praticam e/ou interveem, vem exigindo dos interessados o recolhimento do ITCMD incidente sobre bens imóveis com base no valor venal de referência, ou obtenção de expressa autorização judicial para lavratura da escritura pública de inventário e partilha a partir do recolhimento do ITCMD com base no valor venal.
Na referida sentença, o juízo da 11ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Fazenda Pública e Acidentes de Trabalho concedeu a segurança, em síntese, sob o fundamento de que o Estado de São Paulo não pode instituir e/ou majorar tributo sem lei prévia, sendo certo que a disposição de um critério que aumente a base de cálculo de um tributo é uma forma, ainda que indireta, de majorar o mesmo tributo. Tal operação ofenderia o Princípio da Legalidade sob o Direito Tributário, que impõe que a instituição ou majoração seja feita necessariamente por lei em sentido estrito com a anterioridade prevista na Constituição da República, e também sob o Direito Administrativo, que outorga poderes regulamentadores à Administração Pública contanto que as normas regulamentares respeitem os limites e não extravasem o conteúdo da lei cuja aplicação visem a regulamentar. Para o referido juízo, o Estado de São Paulo teria extrapolado seus poderes regulamentadores e teria, efetivamente, majorado o ITCMD sem a devida promulgação de lei específica nesse sentido.
Além de ter autorizado a utilização do valor venal para fins de recolhimento do ITCMD e a consequente lavratura da escritura pública de inventário e partilha mediante medida liminar no âmbito do rito rápido e simplificado do mandado de segurança, merece destaque que a sentença referida pelo referido juízo também decidiu que: (a) o prazo de 60 (sessenta) dias corridos para abertura do procedimento de inventário previsto na lei estadual, bem como as respectivas penalidades para quem descumpri-lo, também se aplicam aos procedimentos extrajudiciais; e (b) a devolução de valores referentes a eventuais pagamentos a maior de tributo ou multas indevidas deve ser pleiteada pelas vias ordinárias, no procedimento administrativo aplicável ou em ação de cobrança a ser promovida em face da fazenda pública estadual, não se prestando o mandado de segurança a tal fim.
Portanto, embora a jurisprudência estadual paulista venha se consolidando no sentido de permitir, por meio de impetração de mandado de segurança, o recolhimento do ITCMD a partir do valor venal utilizado para fins de lançamento de IPTU, e não do valor venal de referência utilizado para fins de lançamento de ITBI como a fazenda pública estadual vem exigindo, o contribuinte deve estar atento aos fatos de que: (a) prazo de 60 (sessenta) dias corridos após o falecimento do autor da herança para providenciar a apresentação da declaração de herança perante a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, sob pena de incorrer no pagamento de multa administrativa que pode chegar a 20% sobre o valor do tributo originalmente devido; e (b) qualquer questionamento quanto ao valor do tributo e/ou eventuais multas deve ser feito previamente ao recolhimento, pois qualquer devolução só será, a princípio, possível por meio das vias ordinárias de repetição de indébito, que têm, sabidamente, processamento menos rápido.
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