Por Luís Eduardo Tavares dos Santos* e Regina Beatriz Tavares da Silva**
Em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi reconhecido o direito do alimentante de exigir a informação do outro genitor, que administra a utilização da pensão alimentícia, sobre a sua destinação no pagamento das despesas do filho menor (Recurso Especial nº 1.814.639/RS, Relator Ministro Moura Ribeiro, 3ª Turma, j. 26/05/2020).
O STJ realizou a devida aplicação da lei, tendo em vista o disposto no artigo 1.583, § 5º, do Código Civil, o qual confere ao genitor alimentante, que não detenha a guarda do filho, ou que detenha a sua guarda compartilhada tendo o filho a residência principal com o outro genitor, o direito de ter as informações sobre a utilização dos alimentos em favor do filho menor.
Esse direito de fiscalizar a destinação da pensão alimentícia decorre do disposto no artigo 1.634, inciso I, do Código Civil, segundo o qual é dever/direito de ambos os genitores, independentemente da modalidade de guarda (unilateral ou compartilhada), dirigir a criação e a educação dos filhos, o que decorre do poder familiar, do qual a guarda é um dos atributos.
O STJ elucidou a matéria em tela, que, antes, recebia a interpretação de que não haveria esse direito à informação sobre a destinação da pensão alimentícia paga a um menor porque venerando acórdão anteriormente proferido por essa mesma Corte Superior havia decidido sobre o descabimento da prestação de contas em alimentos (STJ, REsp n. 985.061/DF, 3ª Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 20/5/2008).
Segundo interpretação supostamente baseada no acórdão do STJ de 2008, o alimentante não poderia promover ação judicial para exigir do genitor com quem mora o filho explicações documentadas sobre a utilização da pensão, ou seja, para saber se os alimentos estariam efetivamente destinados ao menor. Esse erro interpretativo foi alertado na obra Grandes Temas de Direito de Família e das Sucessões, de cocoordenação da segunda articulista e de Theodureto de Almeida Camargo, por meio de artigo desenvolvido por Joel Figueira Júnior, intitulado Ação de fiscalização de pensão alimentícia (exegese do art. 1.589 do Código Civil). E restaria somente um caminho ao alimentante, nessa interpretação, para verificar judicialmente se os valores pagos são ou não corretamente destinados ao filho, com os riscos inerentes à sucumbência: a propositura de ação revisional de alimentos, quando nem sempre é esta a pretensão do alimentante, já que para a modificação dos alimentos é necessária a mudança das circunstâncias, com base na conhecida cláusula rebus sic stantibus.
O STJ, neste ano de 2020, colocou o ponto no i porque o direito à informação/fiscalização sobre a utilização da pensão alimentícia em favor do filho menor não pode ser confundido com o direito à prestação de contas na forma contábil, a qual exige a perfeita exatidão das entradas e saídas, em centavos, todas devidamente comprovadas por notas fiscais e recibos, com a verificação por peritos judiciais da exatidão dos cálculos, além de formar um crédito de quem pede a prestação de contas perante quem deve prestá-las. Como seria um excesso exigir aquela perfeita exatidão e seria impossível a formação de um crédito pela inexatidão das contas em razão da irrepetibilidade dos alimentos, a matéria, agora, está devidamente esclarecida, inclusive com voto favorável ao direito de fiscalização da Ministra Nancy Andrighi, relatora do acórdão do STJ de 2008, no recente julgado em tela.
O direito à fiscalização, previsto expressamente no Código Civil, confere ao alimentante o direito de exigir informações sobre o emprego da pensão alimentícia, ou seja, se o valor está sendo utilizado no atendimento das necessidades do filho, com a apresentação de comprovantes, assim como a relação das despesas e dos respectivos valores, tais como o pagamento dos gastos com alimentação, tratamentos de saúde, atividades escolares, meios de transporte, vestuário e lazer do filho, entre outros que são necessários à subsistência e à formação de um menor de idade. Afinal, os alimentos pertencem ao beneficiário, o filho menor, e não ao seu guardião, que apenas tem o dever de administrar corretamente a pensão alimentícia.
A relevância do paradigma atual no STJ é evidente porque protege os elevados e prevalecentes interesses dos filhos, que merecem ter a pensão alimentícia destinada integralmente em seu favor, assim como assegura aos alimentantes o direito de saber se a pensão alimentícia está sendo devidamente utilizada em prol dos filhos, além de servir de alerta aos genitores que administram os alimentos de menores para que não usem indevidamente os recursos dos filhos. Afinal, uma decisão judicial, ainda mais quando proveniente de Corte Superior, tem natureza pedagógica não só em relação às partes, atingindo a sociedade como um todo, no que reside a imensa responsabilidade do Poder Judiciário.
*Luís Eduardo Tavares dos Santos. Advogado Sênior e Sócio de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.
**Regina Beatriz Tavares da Silva. Advogada Titular e Sócia fundadora de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.
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