Por Regina Beatriz Tavares da Silva, publicado originalmente no Boletim da União dos Juristas Católicos de São Paulo (UJUCASP).
O Supremo Tribunal Federal, cujo papel é de guardião da Constituição Federal, violou o direito fundamental previsto no seu art. 5°, VIII, que estabelece: “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa”, no julgamento do Tema 1053 (RE 1167478/RJ).
Alvo de críticas pelo ativismo com que atua em matérias de competência do Poder Legislativo, que sequer beiram a inconstitucionalidade, em 8/11/2023, a maioria formada pela supressão do instituto da separação do ordenamento brasileiro desrespeitou gravemente o direito fundamental dos católicos e de outros religiosos que não podem se divorciar por razão de crença.
Tudo começou pela ampliação da matéria recursal pelo Rel. Min. Luiz Fux, que não se ateve à autoaplicabilidade da Emenda Constitucional 66/2010, que alterou o art. 226, § 6° da Lei Maior e suprimiu os requisitos temporais do divórcio ao estabelecer: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”. O debate incluiu a subsistência do instituto da separação como figura autônoma.
Enquanto o divórcio dissolve o vínculo conjugal, a separação judicial ou extrajudicial extingue somente a sociedade conjugal, sendo este o único meio de regularização do estado civil para os católicos que são vítimas de adultério ou de agressões físicas e morais que tornam impossível a comunhão de vidas. O Código Canônico estabelece que o casamento é indissolúvel (Cânone 1.141), mas reconhece que, se a convivência dos cônjuges se tornar insuportável, pode dar causa à separação: “Se um dos cônjuges for causa de grave perigo para a alma ou para o corpo do outro cônjuge ou dos filhos ou, de outra forma, tornar muito difícil a convivência, estará oferecendo ao outro causa legítima de separação [..].” (Cânones 1.151 a 1.153).
A parte do tema a que deveria ter ficado restrito o STF era de sua competência e recebeu votação unânime, já que esse é o conteúdo da EC 66/2010: o divórcio independe de separação prévia. Mas a segunda parte do tema, que decorreu de indevida ampliação do que efetivamente se debatia no recurso, não se enquadra como matéria constitucional e teve votação não unânime. Infelizmente a Corte Constitucional nos votos da maioria não foi técnica e, o que é pior, não atentou para o direito fundamental de quem tem crença.
Exatamente por ser o Brasil um Estado laico, é inviolável o exercício de direito em razão da crença, no caso em tela o direito à regularização do estado civil pela separação.
Sem a opção da separação judicial ou extrajudicial, os religiosos terão de permanecer no estado civil de casados diante de agressão física ou moral praticada pelo outro cônjuge que torne insuportável a comunhão de vidas. Viverão separados somente no plano dos fatos, sem regularização do seu estado civil, num limbo, como bem salientou o Min. André Mendonça, que votou pela manutenção do instituto da separação, seguido pelo Min. Nunes Marques, com fundamentos no mesmo sentido.
O Min. Alexandre de Moraes, diante de constantes interrupções pelos pares que formaram a maioria indagou, sem resposta dos que o coartavam: qual seria a inconstitucionalidade de dar liberdade a quem é casado de optar por uma ou outra forma de dissolução conjugal?
Por sinal, já que os direitos da mulher estavam nas falas de alguns dos ministros, a mulher religiosa violentada moral ou fisicamente continuará presa ao casamento com o seu agressor.
O Brasil ficou ilhado diante de outros países desenvolvidos que adotam a separação ao lado do divórcio, como o direito italiano, francês, português, espanhol, chileno e uruguaio, entre outros.
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