Em 1990, quando Dra. Regina Beatriz Tavares da Silva, sócia fundadora de RBTSSA, publicou seu segundo livro, Dever de Assistência Imaterial entre Cônjuges, muitos autores importantes no Brasil classificavam o dever de respeito no casamento como um dever meramente moral, logo, sem sanção jurídica quando descumprido. Recordemos que somente quem descumpre dever previsto em lei sujeita-se às penalidades respectivas, um dever somente de cunho moral pode receber a aversão social, mas não tem propriamente uma sanção.
Com o livro, que também foi sua dissertação de mestrado, aprovada com nota máxima na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), onde complementou seus créditos entre os anos de 1985 e 1990, a autora buscou demostrar que, pela interpretação sistemática do Código Civil de 1916, e muito antes da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, o dever de respeito e consideração já deveria ser havido como um dever jurídico e, portanto, o desrespeito de um cônjuge ao outro já estava sujeito a aplicações de sanções.
“O desenvolvimento desse trabalho foi feito também tendo em vista a parte imaterial do dever de mútua assistência. Porque muito se falava na assistência material, que é o auxílio econômico, a ajuda financeira de um dos cônjuges ao outro. Mas quando se voltavam os doutrinadores da época para o apoio, o cuidado, a consideração de um dos cônjuges para o outro, esse dever ficava um tanto quanto aquém do seu mérito nas relações conjugais”, avalia Dra. Regina Beatriz.
Ambos os deveres, assistência imaterial e respeito, têm como objeto os direitos da personalidade, o primeiro como a natureza de uma obrigação de fazer – facere – e o segundo com a de não fazer – non facere. Assim, Dra. Regina Beatriz, realizou, como costumeiramente faz em seus trabalhos acadêmicos, o enquadramento jurídico do dever de mútua assistência imaterial e do dever de respeito, para possibilitar melhor aplicação prática dos temas que estuda e desenvolve. “Afinal, de nada serve desenvolver um estudo acadêmico se não tiver aplicação prática”, este é o pensamento da titular de RBTSSA, que fez um verdadeiro “casamento indissolúvel” em sua vida profissional: a Academia e a Advocacia.
Como exemplo de descumprimento do dever de assistência imaterial, a autora cita alguns acontecimentos no dia a dia de um casal: “Se morre a sogra, o genro não vai ao enterro e sai para comemorar com seus amigos. É um exemplo em forma que, numa primeira vista, parece ser meramente jocosa, mas bem esclarece o conteúdo desse dever conjugal, de proteção à honra – auto estima e consideração social do outro cônjuge -, ou seja, da filha que perde a mãe e necessita do apoio de seu marido. Outro exemplo: se um dos cônjuges está doente, o outro tem que oferecer todos os cuidados que estiverem ao seu alcance, não só nos carinhos, mas, também, levando-o aos médicos e buscando o melhor tratamento, dentro de suas condições, para socorrê-lo.”
Como exemplo de descumprimento do dever de respeito, cite-se a violência física e a agressão moral, a primeira que ofende a vida e a integridade física do cônjuge, e a segunda que agride a honra – consideração própria e social – do consorte.
Com o Código Civil de 2002 – em que Dra. Regina Beatriz realizou várias sugestões legislativas, tanto na fase do Senado, quanto na fase final na Câmara dos Deputados, o dever de respeito ganhou previsão explícita nesse diploma legal, no art. 1.566, V, mantendo-se a mútua assistência nesse mesmo artigo, em seu inciso III. “A partir disso, ninguém mais poderia dizer que o dever de respeito teria cunho só moral”, observa Dra. Regina Beatriz.
Note-se que enquanto a Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 – protege exclusivamente a mulher que sofre violência física e moral numa relação de casamento ou de união estável, o Código Civil oferece proteção também ao homem, que sofre agressões desse tipo.
“Aliás, sem retirar e, muito ao contrário, prestigiando sempre a Lei Maria da Penha e a necessária proteção especial à mulher, que, via de regra, tem menor força física que o homem e é mais vulnerável do que o gênero masculino, lembro-me sempre de um senhor de idade avançada que um dia chegou no meu escritório, sentou-se à minha frente em primeira consulta, com a perda da visão de um dos olhos, quando lhe indaguei a causa, tendo ele respondido e comprovado que a causa residia nas agressões físicas praticadas pela esposa, mulher jovem, com mais força física do que ele e que sabia onde atingi-lo por ser conhecedora do organismo humano em face de sua graduação na área da saúde; além deste dano físico, esse mesmo senhor idoso e alquebrado era colocado por ela na varanda do apartamento para dormir, sem cobertor ou agasalhos suficientes em pleno inverno paulistano.” Vê-se, assim, que também o cônjuge do gênero masculino pode ser em certos casos mais vulnerável do que a mulher, merecendo a proteção do ordenamento jurídico, como tem no referido dispositivo do Código Civil e nas sanções civis respectivas, que vão da perda, por quem desrespeita o outro cônjuge, do direito a pensão alimentícia até a condenação em reparação dos danos materiais e morais, além das sanções penais cabíveis se houver a tipificação no diploma legal próprio.”, complementa Dra. Regina Beatriz.
*Este texto faz parte da série #TBT, que é publicada quinzenalmente às quintas-feiras nas redes sociais de RBTSSA.
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