Fonte Gazeta do Povo
O direito de definir em uma reunião de condomínio quais áreas serão acessíveis aos gatos e cachorros dos moradores pode estar com os dias contados. Um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, já aprovado em uma das comissões, propõe proibir qualquer restrição de acesso aos pets em condomínios. Essa proposta deve ser aprovada, assim como outras semelhantes, graças ao sucesso nas urnas de deputados e senadores eleitos com a promessa de investir pesado na causa animal.
Recentemente, grandes empresas do setor pet intensificaram seu lobby no Congresso, impulsionadas pela criação de uma pasta específica pelo governo Lula para tratar de questões relacionadas aos animais. Essa união resultou em conquistas como a redução das alíquotas de planos de saúde para pets durante a reforma tributária, mesmo diante do dado alarmante de que 70% dos brasileiros não possuem plano de saúde e 64% nunca tiveram acesso a um. O apoio governamental fortalece a atuação da “bancada pet”, permitindo que parlamentares destinem emendas para iniciativas que promovem a proteção e o bem-estar dos animais, ampliando sua influência além das propostas legislativas.
Para Caio Morau, Diretor de Assuntos Legislativos da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), doutor em direito civil pela USP, essas iniciativas são uma tentativa do Direito e de instituições políticas de acompanharem as mudanças sociais. “As pessoas estão deixando de ter filhos e optando por animais, e o direito tem tentado acompanhar essa mudança, prestigiando mais os animais. Mas é preciso ter muita cautela com esse movimento”, alerta.
Em 2024, parlamentares empenharam mais de R$ 26 milhões pela Secretaria Nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais (SBIO). A pasta, pertencente ao ministério do Meio Ambiente, tem a castração de animais como principal serviço, principalmente após Vanessa Negrini, ativista conhecida como “Vanessa É O Bicho”, passar a comandar o departamento “Proteção, Defesa e Direitos Animais” da secretaria. O governo Lula também inovou ao permitir o uso de dinheiro público federal para castração.
Se não fossem utilizados em causas animais, os R$ 26 milhões poderiam ser investidos, por exemplo, para a aquisição de 90 ambulâncias padrões do Samu ou 72 aparelhos de raio-x digitais ou 282 aparelhos para hemodiálise, segundo os valores médios da Relação Nacional de Equipamentos financiados pelo SUS.
Um projeto de lei sobre “família multiespécie” dá animais direitos patrimoniais e acesso à Justiça. O PL 179/2023, relatado pela deputada Franciane Bayer (Republicanos-RS), segue na pauta da Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) desde junho.
O texto do projeto usa o termo “guarda”, até então reservado exclusivamente para filhos menores. Outro ponto polêmico da proposta é a possibilidade de animais receberem herança. Segundo o projeto, os tutores teriam de utilizar os bens dos animais exclusivamente para eles. O direito brasileiro, atualmente, permite que apenas pessoas possam receber herança.
“Os seres humanos e os animais são diferentes e devem ter proteções também diferentes. Não se pode querer estender direitos aos animais que são típicos aos seres humanos, como deixar herança para animais ou coisas do tipo. Isso é absolutamente impensável. É um movimento que eu vejo com muitas reservas e tem de ser examinado com muita cautela”, avalia Morau.
“Realmente, tem se tentado colocar os animais como destinatários de uma dignidade praticamente igual à humana. Muito embora os animais tenham, sim, que ser respeitados e protegidos, é evidente que não se pode colocar os animais no mesmo patamar dos seres humanos”, afirma Morau. O jurista relembra a tentativa de inclusão de termos nesse sentido no anteprojeto de reforma do Código Civil no Senado Federal.
“Esses assuntos que envolvem o direito dos animais domésticos têm crescido não só no Congresso Nacional, mas também na doutrina, nos comentários e artigos de doutrinadores e professores de direito. Tem se visto esse crescimento também nas próprias decisões dos tribunais”, avalia Regina Beatriz, presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS).
Outro projeto em tramitação na Casa sugere a substituição do termo “dono” por “humano responsável” nos documentos de registro de animais de estimação, embora Regina Beatriz acredite que o termo mais adequado seja “tutor”.
“Os animais não podem ser comparados com objetos, como um celular ou um veículo. Precisa ter uma noção que a jurisprudência já adota no Brasil, que são ‘seres sencientes’, ou seja, seres que têm sensações. O problema está nesta ideia de transformar os animais em seres assemelhados às pessoas”, avalia Regina Beatriz.
Os equívocos incluem o uso inadequado de termos como “guarda” ou “pensão alimentícia” para animais. Até o momento, a jurisprudência brasileira utiliza essas expressões exclusivamente para filhos menores.
Comments