Por Flávia Fagundes*
Chamamos atenção para importante decisão proferida pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça – STJ que definiu que a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada a base de cálculo do IPTU que, conforme expressa menção fixada no Tema Repetitivo 1113, “sequer poderia ser utilizada como piso de tributação”¹.
A discussão é relevante e, no caso em análise, o Município de São Paulo insistia na cobrança do ITBI com base no valor venal de referência, superior àquele em que o bem foi efetivamente negociado e vendido. A municipalidade viu-se vencida e o STJ então fixou o seguinte entendimento:
“1) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU;
2) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (artigo 148 do Código Tributário Nacional – CTN);
3) O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral”.
Relator do caso, o ministro Gurgel de Faria asseverou que o artigo 38 do Código Tributário Nacional - CTN (que determina que, para cálculo do ITBI, o valor a ser considerado seja o venal dos bens e direitos transmitidos) deve ser analisado em conjunto com o artigo 35 do CTN, o qual define o fato gerador como a transmissão da propriedade ou dos direitos reais imobiliários, ou, ainda, a cessão de direitos relativos ao imóvel. Desta forma, pontuou o Ministro:
"No que tange à base de cálculo, a expressão 'valor venal' contida no artigo 38 do CTN deve ser entendida como o valor considerado em condições normais de mercado para as transmissões imobiliárias".
Em referida decisão, consignou-se que a base de cálculo do ITBI, exação que tributa a transmissão da propriedade, será o valor de mercado do imóvel individualmente considerado, o qual pode ser afetado também por benfeitorias, estado de conservação e as necessidades do comprador e do vendedor, sendo, portanto e via de regra, realizado por declaração do contribuinte, diferente do IPTU, em que se tributa a propriedade, sendo o lançamento realizado de ofício pela Municipalidade com base em planta de valores aprovada pelo Poder Legislativo de cada Município².
Desta forma, a adoção do valor venal previamente estipulado pelo Fisco como base de cálculo do ITBI, em detrimento ao montante em que o bem foi efetivamente negociado e transmitido, revela-se verdadeiro lançamento de ofício do tributo pela Municipalidade, vinculando-o ilegalmente a critérios escolhidos de forma unilateral que desprezam a situação fática e particularidade do bem, que constam na declaração do contribuinte, a qual detém presunção de boa-fé (e que pode ser revista pelo Fisco por procedimento próprio).
A discussão ainda não foi finalizada e o impacto é bilionário; segundo matéria do Valor Econômico “somente no município de São Paulo, foram 75,4 mil operações de compra e venda de imóveis até junho. Em 2021, 163.849 operações. Em 2020, 110.974 operações”.
Como temos tido oportunidade de mencionar, as discussões tributárias no Brasil seguem, ainda, complexo e caótico cenário, sendo que o socorro dos contribuintes em questões técnicas e, muitas vezes, complexas segue estando na mão do Poder Judiciário; no caso do ITBI e desta decisão que analisa a transmissão de bem imóvel específico, temos a sinalização de algum caminho, mas apenas posicionamento final poderá trazer maior tranquilidade ao tema.
¹ No caso em questão, o imóvel foi vendido por R$ 1,39 milhão, valor que deve prevalecer, segundo a decisão, para o cálculo do ITBI (apelação cível nº 1056872-24.2021.8.26.0053).
² "Cumpre salientar que a planta genérica de valores é estabelecida por lei em sentido estrito, para fins exclusivos de apuração da base de cálculo do IPTU, não podendo ser utilizada como critério objetivo para estabelecer a base de cálculo de outro tributo, o qual, pelo princípio da estrita legalidade, depende de lei específica".
*Flávia Fagundes é advogada em Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados
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