Por Maiara Pereira Conde
A era digital revolucionou a forma como as pessoas se relacionam, aproximando-as, aumentando a interação entre elas e permitindo que novos negócios surjam e que a economia se reinvente, sendo um dos expoentes desta nova era a denominada rede social.
As redes sociais, cuja evolução vem se mostrando diária, ante a sua capacidade de mudar e se adaptar ao novo contexto globalizado, vem se mostrando cada vez mais presente no cotidiano da sociedade, apresentando novas ferramentas de conexão, interação e compartilhamento de conteúdo entre os usuários.
Outrossim, em um singelo exercício de observação, é possível aferir que as redes sociais ultrapassam seu efeito social e revestem-se de traços econômicos, servindo tanto como impulsionadores de carreiras ou exercícios profissionais, haja visto que muitas pessoas são remuneradas pelo conteúdo compartilhado em suas redes, sendo, então, um novo espectro do marketing digital e da economia virtual.
Com relação àqueles que fazem uso dessas redes, vê-se que estes não se limitam aos denominados digital influencers, cujo exercício profissional se esgota na publicação de conteúdo mediante uma contraprestação pecuniária, uma vez que é possível observar atletas profissionais, fotógrafos, cantores e entre outros que utilizam desta ferramenta não apenas como entretenimento, mas também para fins lucrativos, econômicos e publicitários.
Assim, resta nítido que a rede social deixou de ser um mero hobby para tornar-se a mais nova forma de empreender e aferir renda dentro do mundo dos negócios, servindo, por vezes, como uma forma indireta de exercer uma atividade empresarial conectada ao marketing.
No entanto, a mais nova ferramenta chamada de “memorial” criada pela rede social Facebook, trouxe preocupações ao âmbito jurídico, na medida em que esta nova ferramenta permite que um usuário escolha um “contato herdeiro” para que administre a rede social após o falecimento do usuário, transformando-a em memorial ao falecido.
Afinal, o “contato herdeiro” poderia então participar da sucessão e receber frutos do legado da pessoa falecida?
Vê-se que a questão vem ganhando substrato jurídico através do recente Projeto de Lei nº 5820 de 2019, apresentado pelo Deputado Elias Vaz (PSB/GO), para alteração do artigo 1.881 do Código Civil, o qual dispõe sobre os codicilos, que consistem na possibilidade do testador fazer disposições especiais sobre bens de pequeno valor e de interesse de pouca monta, sem necessidade de formalidades legais.
Destarte, para aferirmos se é juridicamente possível o soerguimento do herdeiro virtual á condição de legítimo participante da sucessão, faz-se necessária a realização de um exercício lógico e jurídico.
Assim, primeiramente, devemos observar se o conteúdo digital mantido em uma rede social é tratado como herança digital, isto é, se apresenta alguma expressão econômica, uma vez que todo bem que tem valor econômico e é passível de apropriação, conforme as lições e os ditames basilares do direito privado, pode ser considerado herança, podendo ser destinado ao legado.
Considerando a nova era digital, as imagens e conteúdos que compõem o acervo digital, podem, por vezes, ter alto valor econômico, uma vez que a veiculação da imagem de um digital influencers, por exemplo, gera a ele elevados rendimentos.
Um post publicitário pode gerar às empresas ou ao pequeno empreendedor lucros que irão compor o patrimônio da pessoa jurídica ou física.
No entanto, a designação de um “contato herdeiro” em uma rede social para fins de administração de conteúdo, por si só, não tem a formalidade e a complexidade de testamento, nos moldes do artigo 1857 e seguintes do Código Civil. Portanto, a priori, não pode ser considerado válido e eficaz para fins sucessórios, a não ser que esteja expresso em testamento que a mídia social compõe o patrimônio do falecido e que será destinado àquele que irá administrar a conta como memorial.
Observamos, no entanto, que se entendido o conteúdo de inexpressivo valor econômico, poderíamos, num esforço interpretativo, havê-lo como codicilo.
A ferramenta “contato herdeiro” estaria presente no instituto legal do codicilo, principalmente nos moldes em que o Projeto de Lei nº 5820 de 2019, que pretende consagrá-lo em nosso ordenamento legal.
O PL nº 5820/19 prevê, em § 2º a ser acrescido ao art. 1881 do Código Civil que o codicilo poderá ser gravado em sistema digital de som e imagem, devendo haver nitidez e clareza nas imagens e nos sons e declaração da data do ato, e caso haja a destinação de patrimônio, o ato então deverá registrar a presença de duas testemunhas.
Em § 4º, o projeto de lei, prevê que serão entendidos como herança digital vídeos, fotos, livros, senhas de redes sociais e outros elementos armazenados na internet, não havendo a necessidade da presença de testemunhas para que tenha validade.
Assim, o “contato herdeiro” poderia ser considerado forma de gravação para fins legais do instituto do codicilo, e, portanto, poderiam os frutos das redes sociais do falecido ser revertidos ao novo administrador da conta social?
O entendimento majoritário, por ora, responde que neste caso deve ser amplamente analisado o acervo digital e os frutos e rendimentos patrimoniais que foram gerados em prol do falecido. Assim, caso verificado que se trata de pequeno legado, no limite de 10% do patrimônio líquido do autor da herança, a parte poderá recorrer ao uso do codicilo.
No entanto, caso o patrimônio gerado pelas mídias sociais seja composto de montante superior, o interessado tem que se valer de um procedimento mais complexo e específico, que é o testamento.
A ideia principal do PL nº 5820/19, conforme destacado pelo Deputado Elias Vaz (PSB/GO), é facilitar e desburocratizar o direito das sucessões, resolvendo assim inúmeros problemas que a herança digital traria à sucessão legítima.
No entanto, até que ponto o direito das sucessões pode ser desburocratizado, uma vez que as mídias sociais evoluem de forma dinâmica?
Estes questionamentos não são respondidos pelo Projeto de Lei nº 5820 de 2019 e provavelmente, caso o projeto de lei entre em vigor, estas questões serão discutidas e serão pontos controvertidos a cada nova modificação ou criação de uma nova mídia digital, o que não trará segurança jurídica ao instituto sucessório, pela carência de calculabilidade e previsibilidade.
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