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Julgamento que está com placar de 2 a 2, volta à pauta para voto-vista do ministro Benedito Gonçalves.
Está na pauta da Corte Especial do STJ da próxima quinta-feira, 9, julgamento que discute a possibilidade de aplicar a taxa Selic para a correção de dívidas civis, em vez do modelo de correção monetária somada aos juros de mora.
O caso foi afetado à Corte Especial em outubro de 2021 e, desde então, teve vários pedidos de vista e adiamentos.
Até o momento, o ministro Luis Felipe Salomão, relator, votou a favor da aplicação de juros de mora de 1% ao mês, de forma simples. Por outro lado, o ministro Raul Araújo votou defendendo a aplicação da taxa Selic. O julgamento será retomado com o voto-vista do ministro Benedito Gonçalves.
Na origem, o caso trata de ação ajuizada por uma mulher contra empresa de ônibus. Na Justiça, a autora pleiteou indenização decorrente da conduta "imprudente e negligente" do motorista da empresa, que passou por uma lombada em velocidade superior à permitida, e a machucou.
O juízo de 1º grau condenou a empresa de ônibus ao pagamento de R$ 20 mil, por danos morais, incidindo juros de mora, de 1% ao mês, a partir da citação e correção monetária, conforme índice oficialmente adotado pela Tabela Prática do TJ/SP, a partir da data da sentença.
Desta decisão, a empresa de ônibus recorreu ao TJ/SP pedindo a aplicação da taxa Selic para o cálculo dos juros e da correção monetária. O Tribunal paulista, no entanto, negou provimento ao recurso e manteve a sentença:
"Os juros moratórios devem ser calculados à taxa de 1% ao mês, em razão do disposto no art. 406 do Código Civil, combinado com a previsão do art. 161, §1º, do Código Tributário Nacional. Além disso, é sabido que os índices contidos na Tabela Prática deste E. Tribunal de Justiça são vistos como os legais, por efetivamente expressarem os efeitos corrosivos da inflação no período. Sentença mantida."
Quando o caso chegou à 4ª turma do STJ, o colegiado decidiu afetar o tema à Corte Especial.
RELATOR
Selic não é aplicável
Relator, ministro Luis Felipe Salomão votou contra a utilização da Selic para a correção de dívidas civis. Para ele, a Selic não se revela adequada para ser utilizada com fins de correção monetária e juros de mora nas dívidas civis - como na indenização por danos morais, caso do recurso em julgamento.
"Considero que, para as dívidas civis, o melhor critério é mesmo a utilização de índice oficial de correção monetária - que, em regra, consta da tabela do próprio Tribunal local - somado à taxa de juros de 1% ao mês (ou 12% ao ano), na forma simples, nos termos do disposto no parágrafo 1º do artigo 161 do CTN", declarou Salomão.
O relator afirmou que a soma dos acumulados mensais resulta em percentuais menores, em comparação com o índice de variação entre o termo inicial e o termo final do período considerado, porque, ao final de cada mês, é interrompida a capitalização das taxas percentuais, o que interfere no método composto empregado. O uso de acumulados mensais - tal como a regra de correção de débitos da Fazenda Pública - desvirtua o método composto do cálculo, e, de acordo com o relator, cria situações extremas nas quais os acumulados mensais nem cobrem a inflação e acarretam ausência de juros de mora.
Segundo Salomão, tal cenário configura a situação de juros negativos ou mora negativa apontada por alguns amici curiae, pois o valor final acaba sendo inferior à correção monetária.
"Ou seja, a adoção da taxa Selic para efeitos de pagamento - tanto de correção monetária quanto de juros moratórios - pode conduzir a situações paradoxais: por um lado, de enriquecimento sem causa, e, de outro, incentivo à litigância habitual, recalcitrância recursal e desmotivação para soluções alternativas de conflito, ciente o devedor que sua mora não acarretará grandes consequências patrimoniais", explicou.
Na visão do ministro, essa disfunção ocorre porque a Selic tem por objetivo o controle do consumo e, consequentemente, o combate a uma inflação futura em nível indesejado, "circunstância que guarda pouca relação com a natureza do pagamento de correção monetária e de juros, esses últimos definidos como a remuneração paga ao dono do capital pelo período em que fica privado do seu uso".
Luis Felipe Salomão afirmou que a adoção de acumulados mensais da Selic, em detrimento da multiplicação dos fatores diários - como no caso do pagamento de títulos da dívida pública -, acaba servindo de desestímulo para que o devedor civil faça o pagamento.
Essa conclusão, segundo o relator, decorre da natureza distinta dos juros moratórios em relação aos remuneratórios.
"Ao contrário dos juros remuneratórios, os juros moratórios possuem natureza punitiva, servindo, pois, de estímulo para o devedor cumprir a obrigação e não sofrer os efeitos da mora."
Após o voto-vista divergente, em 7/6, o relator, ministro Salomão pediu nova vista para reanalisar o caso. Em 1º/8, Salomão ratificou o voto. O ministro explicou que para cobrar suas dívidas, a União usa a taxa Selic pelo método composto. Para pagar suas dívidas, a União usa a taxa Selic pela soma dos acumulados por mês. "Ou é muito ou é pouco pela taxa Selic. A maneira mais equilibrada, o que acontece em todos os países do mundo, é a aplicação de juros de mora de 1% ao mês, de forma simples, como dispõe o 466 do CC, fazendo referência ao 161, parágrafo 1º do CPN", destacou
O ministro Humberto Martins seguiu o relator.
DIVERGÊNCIA
Selic pode ser aplicada
Nesta quarta, o ministro Raul Araújo abriu divergência ressaltando que enquanto se discute, no âmbito da economia, como é elevada essa taxa Selic no Brasil, a ponto de inviabilizar os negócios produtivos, porque as pessoas tenderão a preferir investir no mercado financeiro, não pode o Judiciário, estar achando pouco esses valores e cogitarmos de acrescê-los.
Para S. Exa., os grandes capitalistas estrangeiros poderão vir ao Brasil para fazer ações financeiras, mas não para investir em negócios produtivos, gerando emprego, renda e tributos.
"Imagina-se as consequências nefastas que advirão se o Poder Judiciário chancelar que os débitos de natureza civil, incluindo-se os débitos empresariais, deverão ser atualizados por meio da incidência de taxa de juros de mora de 1% ao mês, associado a índice autônomo de correção monetária."
O ministro comentou que os dispositivos do Código Civil decorrem de uma opção consciente do legislador, que buscou acompanhar e se harmonizar com as escolhas de política econômica do país ao longo de décadas.
Raul Araújo apresentou um histórico do panorama econômico desde a edição do CTN, em 1964, passando pela criação da Selic, em 1979, pelo Plano Real, de 1994, até o atual CC. Para ele, a Selic é o reflexo de uma economia estabilizada, após décadas de combate à inflação.
"A taxa Selic, no sistema de remuneração de capitais, trouxe significativa mudança no sistema financeiro nacional, impondo uma nova cultura mais hígida para a economia, justamente porque ela une a correção monetária e os juros, medida plenamente viável numa economia estabilizada, como sucede na maioria dos países que servem de modelo", explicou.
Raul Araújo citou mudanças legislativas, a exemplo da EC 113/21, que estabeleceram a Selic como única taxa em vigor para a atualização monetária e a compensação da mora nas demandas que envolvem a Fazenda Pública. Para o ministro, a Selic é hoje o indexador que rege o sistema financeiro brasileiro, e não há dúvida quanto a ser essa a taxa a que se refere o artigo 406 do Código Civil.
O ministro finalizou dizendo que essa talvez seja a decisão mais importante que a Corte Especial irá adotar nesse semestre, senão em todo ano.
Concluiu dizendo que a taxa a que se refere o art. 406 do CC/02 é a taxa Selic, aquela que corrige a mora dos impostos Federais, portanto a Corte de origem, ao aplicar índice diverso, violou o dispositivo legal.
O ministro João Otávio de Noronha seguiu a divergência.
De acordo com análise do advogado Leonardo Amarante, especialista em responsabilidade civil e responsável pela defesa da vítima no caso de São Paulo, o empate mostra a relevância de uma decisão que pode mudar o Direito brasileiro. "Isso reflete a questão tormentosa que é destruir o sistema jurídico que está vigente há 100 anos, desde o Código de 1916, e substituir por um outro sistema que é muito pior e não tem nenhuma segurança jurídica, beneficiando o calote e o não pagamento das dívidas", destaca.
Processo: REsp 1.795.982
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